De verdade: pra quê?
Decidi escrever este texto quando percebi que estávamos recebendo muitos pedidos de iniciação, no Coven do Rio, de pessoas muito jovens (incluindo menores de idade, que não iniciamos de forma alguma). Quero deixar claro que não tenho intenção de desencorajar ninguém, e também concordo que "a barba não faz o profeta". No entanto, acredito que seja válido refletir sobre a iniciação e seu impacto no indivíduo. Por isso lhes pergunto: iniciação pra quê?
Existem várias definições adequadas para abordar a iniciação, já que é um processo profundo e dinâmico. No entanto, a que melhor ilustra a ideia que desejo transmitir é a da morte: a iniciação é uma morte. Escolhi essa palavra porque, ao encarar a iniciação como uma morte, somos instigados a refletir e questionar se é isso que realmente buscamos e, se for o caso, se estamos preparados para ela.
Nos primeiros anos de escola, aprendemos que os animais, incluindo nós mesmos, "nascem, crescem, se reproduzem e morrem". A morte, nesse contexto, ocorre em um único momento, mas poderíamos dizer que não é exatamente assim. Religiões que não veem a morte como o fim a chamam de passagem. Alguns idiomas também utilizam essa ideia ao expressar o evento. Em inglês, por exemplo, "falecimento" seria "pass away", onde "pass" significa "passar" ou "atravessar". Portanto, a morte é uma passagem, uma mudança de estado. Aceitando isso como fato, entendemos que morremos várias vezes ao longo da vida: ao crescermos, morremos para a nossa vida infantil; ao começarmos a explorar nossa sexualidade, morremos para a vida anterior pois a sexualidade, mesmo que não pareça, impacta a personalidade de todos nós já que é a energia que nos motiva a buscar amor, contato e intimidade influenciando nossos pensamentos, sentimentos, ações, interações e até nossa saúde física e mental. Nenhum de nós permanece o mesmo após começar a explorar a sexualidade. Portanto, a vida está repleta de mortes e a morte também é uma forma de iniciação.
Diante disso, podemos nos perguntar por que a vivência de um ritual de iniciação precisa ser tão ansiosamente buscada se as iniciações mais profundas que experimentamos estão contidas nas experiências naturais da vida. Ao viver, vamos passando por mortes, mudando de estado. Essas experiências vão gerando impactos dos quais temos mais ou menos consciência, mas todas elas produzirão efeitos em nós. Todas elas nos iniciam. Há uma instrução da Deusa, em sua Carga, onde é dito:
“Pois aquilo que busca e que já não encontra dentro de você não será encontrado fora de você”.
Assim, a iniciação em um ritual mágico será tão profunda e significativa quanto aquele que passa por ela está igualmente consciente de que não se trata do que está do lado de fora, mas sim do que está dentro.
Alguém pode se perguntar: por que, então, você quis a iniciação? Por que não apenas seguiu vivendo?
Calma! Não estou dizendo que passar pelo ritual de iniciação e tudo o que o acompanha não tenha seus benefícios, pois é claro que tem. O que estou dizendo é que esses benefícios serão mais ou menos úteis, ou mesmo vistos como benefícios de fato, de acordo com o que o indivíduo já traz consigo antes da iniciação.
Não é apenas o rito em si, mas toda a jornada iniciática que mexe com o Ser de uma forma em que tudo se torna um mergulho profundo dentro de si. E isso pode, e provavelmente será, uma experiência de desconforto e sofrimento, se for realmente significativa. Não é à toa que todos esses conceitos estão representados na mesma lâmina do tarot: o ATU XII, também conhecido como O Pendurado.
Coloquei acima O Pendurado do meu deck favorito, o Tarot de Thoth de Crowley-Harris, pois ele ilustra perfeitamente todos esses conceitos. Olhe para a carta e perceba: há desconforto, há sacrifício, mas há também iniciação. Abaixo de sua cabeça, no plano inferior, há um ambiente sombrio preenchido por uma serpente. É o mundo interior, as assustadoras águas escuras dentro de nós, onde só saberemos o que encontraremos ao irmos até lá. É lá que vislumbraremos o espiritual superior ou seremos devorados pelas sombras. Portanto, a jornada iniciática e o desconforto são inseparáveis se o iniciado busca efeitos verdadeiramente profundos e duradouros. Você está disposto a sofrer para aprender?
A vida iniciática por meio do trabalho em um Coven é algo que nem todos têm condições reais de administrar. Não digo isso para ser elitista, embora reconheça que possa parecer. Digo isso porque é a verdade. Repito que "A barba não faz o profeta", então idade não é exatamente um limitador pois a idade do corpo não é a idade do espírito; no Coven do Rio mesmo, por exemplo, tenho alunos dos 20 aos 50 anos e eles estão em todas as fases da vida. Ainda assim, é importante considerar qual bagagem este Louco está trazendo consigo e, mais do que isso, se está suficientemente preparado para pôr os olhos no fundo da bolsa e organizar a bagunça lá dentro.
Um Coven não é uma família, nem um grupo de amigos, nem um grupo de terapia. Você não deveria buscar um Coven apenas para ter sentimentos de pertencimento. Fazer isso é pedir para se frustrar porque um bom Coven não leva em consideração afinidades superficiais ao escolher seus membros. Por isso, as pessoas costumam ser muito diferentes umas das outras: elas têm origens diferentes, posicionamentos políticos diferentes, visões de vida diferentes, desejos diferentes, objetivos diferentes... Enfim! Há grandes chances de que você encontre pessoas com as quais não se identifique nas questões do dia a dia. O que une todos esses indivíduos, o que dá solidez ao trabalho e produz a magia poderosa que atrai os Deuses, é o fato de todos eles vibrarem intensamente com o desejo de se conhecerem, enfrentarem suas sombras, dominarem seus egos e se tornarem verdadeiramente Deuses de si mesmos. Eles conseguem ver nas experiências de vida instrumentos valiosos para ajudá-los nesse sagrado, porém delicado, processo. Todos eles sofrem pela jornada iniciática (e isso não é de forma alguma lúdico) e são verdadeiramente gratos por cada obstáculo que encontram no caminho. As diferenças que existem entre eles desaparecem quando mergulham juntos no círculo mágico; tudo o que era tão diferente se torna ofuscado diante de suas essências igualmente ressonantes. Todos eles morrem constantemente para estarem devidamente preparados para as dores e os prazeres de estarem ali, pois no plano mágico superior, Agonia e Glória são uma coisa só.
Então, eu lhe pergunto sinceramente: você está realmente preparado para se despir dessa forma e pagar o preço necessário por isso? A pergunta é retórica, mas gostaria que você meditasse sobre: o quanto você se conhece? Realmente se conhece? Medite e responda a si mesmo:
- Qual aquela verdade dura sobre si mesmo que você rejeita assumir mesmo em seus pensamentos?
- O que você esconde de todas as pessoas, como um segredo mortal, puramente pelo medo do que elas pensarão a seu respeito?
- Quantos dos seus desejos são realmente seus e não produtos do meio?
- Se certos eventos não tivessem ocorrido na sua vida, você desejaria as mesmas coisas que deseja e rejeitaria as mesmas coisas que rejeita?
Esses são alguns exemplos de questionamentos que garanto: qualquer bom candidato à iniciação tentará responder honestamente e sem medo. E você? Consegue olhar para suas águas e enxergar além da superfície, em vez de ver apenas o reflexo das expectativas, necessidades e desejos que os outros criaram em você? Ou até mesmo das ideias falsas que você criou sobre si mesmo? Não estou propondo esse exercício como algo "psicotécnico", pois já afirmei que um Coven também não é um grupo de terapia. Estou fazendo essa provocação porque, antes de tudo o que já falei, antes mesmo da morte, a iniciação é um ritual mágico. Esteja preparado ou não, ela terá seus efeitos. Você está pronto para o que encontrará ou será destruído por isso? Essa deve ser uma preocupação genuína.
Repito que meu objetivo não é desencorajar ninguém, mas sim esclarecer como a decisão pela iniciação deve ser ponderada com responsabilidade. Não busque a iniciação por uma medalha de iniciado, novos amigos ou para aprender rituais mágicos. Tudo na Wicca está interligado e é interdependente. Se uma peça falta, a engrenagem não funciona. Portanto, é importante ter consciência de que se a experiência não for completa, você não obterá nada substancial nesse caminho. "Pois aquilo que busca e que já não encontra dentro de você não será encontrado fora de você". Então, faça essa pergunta a si mesmo várias vezes antes de dar esse passo: iniciação para quê?
Alan Cohen
Sumo Sacerdote do Coven do Rio
Instagram: @anehoc_
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